terça-feira, 22 de julho de 2008

TOMAR A VIDA

Tomar a vida - Bert Hellinger
Os pais, ao darem a vida, dão à criança, nesse mais profundo ato humano, tudo o que possuem. A isso eles nada podem acrescentar, disso nada podem tirar. Na consumação do amor, o pai e a mãe entregam a totalidade do que possuem. Pertence portanto à ordem do amor que o filho tome a vida tal como a recebe de seus pais. Dela, o filho nada pode excluir, nem desejar que não exista. A ela, também, nada pode acrescentar. O filho é os seus pais. Portanto, pertence à ordem do amor para um filho, em primeiro lugar, que ele diga sim a seus pais como eles são, sem qualquer outro desejo e sem nenhum medo. Só assim cada um recebe a vida: através dos seus pais, da forma como eles são.Esse ato de tomar a vida é uma realização muito profunda. Ele consiste em assumir minha vida e meu destino, tal como me foi dado através de meus pais. Com os limites que me são impostos. Com as possibilidades que me são concedidas. Com o emaranhamento nos destinos e na culpa dessa família, no que houver nela de leve e de pesado, seja o que for.Essa aceitação da vida é um ato de despojamento, uma renúncia a qualquer exigência que ultrapasse o que me foi transmitido através de meus pais. Essa aceitação vai muito além dos pais. Por esta razão, não posso, nesse ato, considerar apenas os meus pais. Preciso olhar para além deles, para o espaço distante de onde se origina a vida e me curvar diante de seu mistério. No ato de tomar os meus pais, digo sim a esse mistério e me ajusto a ele.O efeito desse ato pode ser comprovado na própria alma. Imaginem-se curvando-se profundamente diante de seus pais e dizendo-lhes: "Eu tomo esta vida pelo preço que custou a vocês e que custa a mim. Eu tomo esta vida com tudo o que lhe pertence, com seus limites e oportunidades". Nesse exato momento, o coração se expande. Quem consegue realizar esse ato, fica bem consigo, sente-se inteiro.Como contraprova, pode-se igualmente imaginar o efeito da atitude oposta, quando uma pessoa diz: "Eu gostaria de ter outros pais. Não os suporto como eles são." Quem fala assim, sente-se vazio e pobre, não fica em paz consigo mesmo.Algumas pessoas acreditam que, se aceitarem plenamente seus pais, algo de mau poderá infiltrar-se nelas. Assim, não se expõem à totalidade da vida. Com isto, contudo, perdem também o que é bom. Quem assume seus pais, como eles são, assume a plenitude da vida, como ela é.Na verdade, os pais não dão aos filhos apenas a vida. Eles nos dão também outras coisas: alimentam-nos, educam-nos, cuidam de nós e assim por diante. Convém à criança que ela tome tudo isso, da forma como o recebe. Quando a criança o aceita de bom grado, costuma bastar. Existem exceções, que todos conhecemos, mas via de regra é suficiente. Pode não ser sempre o que desejamos, mas é o bastante.Nesse particular, pertence à ordem que o filho diga a seus pais: "Eu recebi muito. Sei que é muito, é o bastante. Eu o tomo com amor". Então ele se sente pleno e rico, seja qual for a situação. Então ele acrescenta: "o que faltou, eu mesmo faço". Isto também é um belo pensamento. Finalmente, o filho ainda pode dizer aos pais: "E agora eu os deixo em paz". O efeito destas frases vai muito fundo: agora o filho tem seus pais e os pais têm o filho. Pais e filho estão simultaneamente separados e felizes. Os pais concluíram sua obra e a criança está livre para viver sua vida, com respeito pelos seus pais mas sem dependência.Imaginem agora a situação contrária, quando o filho diz aos pais: "O que vocês me deram foi errado e foi muito pouco. Vocês ainda estão me devendo muito". O que esse filho tem de seus pais? Nada. E o que têm dele os pais? Igualmente nada. Esse filho não consegue soltar-se de seus pais. Sua censura e sua reivindicação o vinculam a eles, mas de uma forma tal que ele não os tem. Ele se sente vazio, pequeno e fraco.Com tudo os filhos não devem minimizar, nem desculpar as ações dos pais, mas podem dizer a eles: “O que você fez é responsabilidade sua. Mas você continua sendo meu pai ou minha mãe. Não importa o que você tenha feito, estamos ligados. Fico agradecido por você ter me dado a vida. Mesmo que seus atos tenham sido horríveis, sou seu filho e não seu juiz.”Quando o filho reinvidica algo de seus pais, ele está insatisfeito e este sentimento o aprisiona à sua família. Ele fala com seus pais em um nível superior. Desta forma não consegue se separar deles. A mágoa, a raiva e o ódio nos ligam ainda mais a família e pode comprometer às relações com as geração seguinte que poderá repetir este mesmo comportamento de reinvidicação.Quando o filho aceita o que lhe foi dado (mesmo que não concorde, que tenha sido ruim, insuficiente) ele aceita a vida que foi dada dentro da possibilidade de seus pais e os reverencia, é uma decisão. Ele toma a vida que eles lhe deram, se liberta do passado, ganha autonomia e consegue passar adiante através de seus filhos, um pouco ou muito melhor do que o que foi feito com ele. Mas o filho precisa estar livre, se não, dificilmente conseguirá. A força da família atuando sobre nós é muito intensa e nos leva a repetir o padrão. As pessoas se comportam muitas vezes diferente do que gostariam, às vezes de maneira oposta, porque o padrão da família está aprisionada na pessoa inconscientemente e ela não consegue fazer diferente.O tamanho de criança Existe algo que os pais adquirem por mérito pessoal. Se a mãe, por exemplo, tem um dom especial - suponhamos que ela seja pintora e pinte quadros maravilhosos - então isso pertence a ela e não ao filho. Este não pode reivindicar ser também um bom pintor, a não ser que o tenha merecido por dotação própria e dedicação pessoal.A mesma coisa vale para a riqueza dos pais. O filho não tem o direito de reivindicá-la, como é o caso da herança. O que ele vier a receber será puro presente.Isto vale ainda para a culpa pessoal dos pais. Também esta pertence exclusivamente a eles. Com freqüência, uma criança presume, por amor, tomar sobre si essa culpa, carregá-la em nome dos pais. Também isto vai contra a ordem. A criança se arroga um direito que não lhe compete. Quando os filhos querem expiar pelos pais, estão se julgando superiores a eles. Os pais passam a ser tratados como crianças, cuidadas por seus próprios filhos, que assumem o papel de pais.Uma senhora, que recentemente participou de um grupo meu, tinha um pai e uma mãe com alguma deficiência. Os dois se completavam bem, mas a filha achava que devia cuidar deles. Quando montei a constelação de sua família, ela se comportou como se fosse ela a pessoa grande. Porém sua mãe lhe disse: "Esse assunto com seu pai eu resolvo sozinha". E o pai lhe disse: "Esse assunto com sua mãe eu resolvo sozinho. Não precisamos de você para isso". Aquela senhora ficou muito desapontada, porque foi reduzida ao seu tamanho de criança.Portanto, a ordem do amor entre filhos e pais estabelece que respeitemos o que pertence pessoalmente a nossos pais e o que eles podem e devem fazer sozinhos.Receber e exigir A ordem do amor entre pais e filhos envolve ainda um outro elemento. Os pais são grandes, os filhos pequenos. Assim, o certo é que os pais dêem e os filhos recebam. Quando o filho recebe muito, o filho sente a necessidade de pagar. Dificilmente suportamos quando recebemos algo sem dar algo em troca. Mas, em relação a nossos pais, nunca podemos compensar. Eles sempre nos dão muito mais do que podemos retribuir.Alguns filhos querem escapar da pressão de retribuir e dos sentimentos de obrigação ou de culpa. Eles dizem então: "Prefiro nada receber, assim não sinto obrigação nem culpa". Esses filhos se fecham para seus pais e, nessa mesma medida, sentem-se pobres e vazios. Pertence à ordem do amor que os filhos digam: "Eu recebo tudo com amor". Assim, eles irradiam contentamento para os pais, e estes percebem a felicidade deles. Esta é uma forma de receber que é simultaneamente uma compensação, porque os pais se sentem respeitados por esse receber com amor. Eles dão, então, com um prazer ainda maior.Quando, porém, os filhos dizem: "Vocês têm que me dar mais" , o coração dos pais se fecha. Por causa da exigência do filho, eles não podem mais cumulá-lo de amor. Este é o efeito de tais reivindicações. Esse filho, por sua vez, mesmo quando recebe alguma coisa, não consegue tomar o que exigiu.A equiparação A verdadeira equiparação entre o dar e o tomar na família consiste em passar adiante o dom. Quando a criança diz: "Eu tomo tudo, e quando eu crescer, eu darei por minha vez", os pais ficam felizes. A criança, no seu dar, não olha para trás, mas para a frente. Os pais fizeram o mesmo. Eles receberam de seus pais e deram a seus filhos. Justamente pelo fato de terem recebido tanto, sentem-se pressionados a dar, e podem igualmente fazê-lo.Quando a família é colocada em ordem, o indivíduo pode sair dela. então ele sente a força da família atrás de si. Somente quando a conexão com a família é reconhecida e a responsabilidade é vista claramente e distribuída, o indivíduo sente-se livre e pode seguir com seus assuntos pessoais sem o passado pesando sobre ele ou limitando-o.

Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns, Denise, pela qualidade dos temas escolhidos e pela oportunidade de enriquecermos nossos conhecimentos.
Grande abraço e sucesso!
Maria José Sacani