quarta-feira, 22 de maio de 2013

Onde estão as moedas? Joan Garriga Bacardi

Onde estão as Moedas?
Este conto apresenta de forma muito especial as chaves do vínculo entre pais e filhos.
Numa noite qualquer, uma pessoa, da qual não sabemos se é um homem ou uma mulher, teve um sonho, um sonho com os pais. Neste sonho seus pais apareciam e lhe davam algumas moedas, não sabemos quantas eram, se uma dúzia ou uma centena, nem de que metal eram feitas, se eram de ouro, de prata, de cobre, de ferro ou mesmo de argila. O sonhador as recebia de bom grado porque eram as moedas que seus pais lhe davam, eram as exatas que necessitava e merecia, para levar sua vida. Satisfeito agradeceu aos pais pelas moedas recebidas tomando-as por inteiro. E o sonhador termina a noite de sono tranqüilo, descansado e pleno. Ao amanhecer, desperta bem disposto e resoluto em ir à casa dos pais para comentar o sonho e agradecer as moedas recebidas. Indo até os pais, comenta o sonho e agradece as moedas recebidas, em profunda gratidão. Seus pais, vendo a atitude do filho, sentem-se grandes, ainda maiores e mais bondosos do que haviam sido e orgulhosos do filho. Dizem-lhe então: Estas moedas são para você, use-as como quiser e não precisa devolvê-las, são nossa herança para você. E este filho segue seu caminho satisfeito e pleno, capaz de enfrentar e vencer qualquer desafio, com a certeza de haver recebido as exatas moedas que necessitava e merecia de seus pais, suficientes para empreender sua caminhada. De tempos em tempos volta-se para trás, em direção à casa dos pais, e sente-se revigorado e pleno para seguir e realizar sua vida.

Acontece, que em outra noite qualquer, um outro sonhador tem um sonho parecido, que costuma acontecer com qualquer um de nós, mais cedo ou mais tarde, de ter um sonho com os pais. Neste sonho, o sonhador recebe dos seus pais algumas moedas, que não sabemos se uma dúzia, uma centena ou apenas umas tantas, nem de que metal eram feitas, se de ouro, de prata, de cobre, de ferro ou mesmo de argila. Mas este sonhador não aceita as moedas dos pais. Ele diz: Estas não são as moedas que necessito, preciso e mereço, por isto não as tomo e deixo-as com vocês. Se eu as tomasse minha vida se tornaria pesada e, portanto, fiquem com elas. E este sonhador segue pela noite intranqüilo, com o sono entrecortado e desperta muito cedo, cansado e ansioso por ir até a casa dos pais, contar-lhes a respeito do sonho. Lá chegando, diz aos pais sobre o sonho e que aquelas moedas não lhe interessam, que aquilo que eles tinham para ele não eram as moedas que ele necessita e merece, deixando-as portanto com eles. Os pais ouvindo isto, tornam-se ainda menores, humilhados, como costuma acontecer quando um filho não toma seus pais, seus ensinamentos e sua herança, tal como foi; e retiram-se para seu quarto. E este sonhador, tomado de uma estranha força, sente-se fortalecido e vingado, havendo acertado as contas com seus pais, e sai para a vida decidido a encontrar suas moedas, as que justo necessita e merece. Com alguém elas devem estar.

E tomado por esta força, estranhamente falsa, vai pela vida em busca de um parceiro, procurando pelas moedas que necessita e crê poderem estar com ele. As vezes tem a sorte de encontrar alguém e
mais sorte ainda desta relação durar algum tempo. Quando isto ocorre, com o passar do tempo o sonhador percebe que seu parceiro não tem as moedas que necessita e merece, e o relacionamento perde todo seu encanto, ficando para trás. E o sonhador segue em busca de outra pessoa que talvez, desta vez, tenha as suas moedas. E de relacionamento em relacionamento, segue em busca de suas moedas e desencantos, porque nenhum deles tem as moedas que necessita e merece.

Outras vezes, o sonhador tem um filho e, ao engravidar, cria a forte expectativa de que este filho terá as moedas que necessita e merece, e o aguarda ansioso e cheio de esperanças. Mas a vida é como é; os filhos crescem e seguem seus próprios caminhos, e tampouco eles tem as moedas que o pai ou a mãe procuram. E nesta busca incessante, o tempo vai passando até que o desespero toma conta: onde estarão minhas moedas, justo as que necessito e mereço para levar minha vida?

Então, algumas vezes, vão em busca de um terapeuta, na certeza de que eles sim saberão das moedas. Mas há dois tipos de terapeutas: um que acredita que tem as moedas que seu cliente procura; e outro que sabe que não as tem, mas está disposto a ajudá-lo a procurá-las. Quando tem a sorte ou a sabedoria de encontrar este segundo tipo de terapeuta, dá-se início a um processo de auto-consciência e aprendizado, onde o sonhador vai percebendo aspectos antes ignorados, apropriando-se de sua própria vida, pouco a pouco.Até que num belo dia o terapeuta se dá conta de que o sonhador já está pronto para saber onde estão suas moedas. E neste mesmo dia, não apenas por coincidência, o sonhador vem para a terapia e diz: Eu já sei onde estão as moedas. Ainda estão com os meus pais. E resoluto, empreende o retorno à casa dos pais, em busca das justas moedas que necessita e merece. Chegando à casa dos pais, arrependido e amadurecido, toma-os por inteiro, tal como foi, aceitando feliz e de bom grado as moedas que eles tem para si, exatamente as que precisa, necessita e merece para levar sua vida em plenitude.

E seus pais, reconhecidos e aceitos inteiramente pelo filho, tornam-se ainda maiores, mais dignos e responsáveis, podendo ser ainda mais generosos.E assim, o sonhador encontra seus caminhos, com a fortaleza da herança dos pais: agradecendo a vida recebida; dizendo sim a tudo, tal como foi, libertando-se de todas as mágoas, deixando as responsabilidades com quem de direito; e tomando sua própria vida em suas mãos, com a benção de seus pais, para que, agora possa buscar sua felicidade.



Ter filho não é pra todo mundo- José Martins Filho


Ter filho não é pra todo mundo

Vamos ser francos: quem realmente tem capacidade para se dedicar a uma criança como deveria. Faça a análise antes de ter uma

Será que todos os seres humanos precisam ser pais? Não sei. Cuidar bem de uma criança, além de ser de sumária importância, dá um trabalho danado. Crianças choram à noite, nem sempre dormem bem, precisam de cuidados especiais, de limpeza, de banho, alimentação, ser educadas e acompanhadas até a idade adulta. E, principalmente: crianças precisam da presença dos pais, sobretudo as menores, que requerem a mãe na maior parte de seu tempo. Não é dando dois beijinhos pela manhã antes de ir para a creche, ou colocando a criança para dormir à noite, que será possível transmitir segurança, afeto e tranquilidade. Escuto muito a seguinte frase: “Doutor, o que interessa é a qualidade do tempo junto e não a quantidade”. Duvido. Diga ao seu chefe que você vai trabalhar apenas meia hora por dia, mas com muita qualidade. Certamente ele não vai gostar. Seu filho também não. 

Sejamos sinceros, nem todo mundo está disposto a arcar com esse ônus. Talvez seja melhor adiar um projeto de maternidade, e mesmo abrir mão dessa possibilidade, do que ter um filho ao qual não se pode dar atenção, carinho e presença constante. Lembre-se que é preciso dedicar um tempo razoável: brincar junto, fazer os deveres de casa, educar, colocar limites. 

Como fazer tudo isso e ainda continuar no mercado de trabalho? Usando seu horário de almoço para comer junto com seu filho. Fazendo visitas na creche durante o dia. Passeando no final de semana, em atividades em que a criança seja prioridade, como praia, parques, jogos em conjunto. Por favor, isso não inclui shopping center. 

Sou obrigado a fazer todas essas coisas? Claro que não. Mas ser pai e ser mãe também não é uma obrigação, sobretudo nos dias de hoje em que a vida oferece infinitas possibilidades. Trata-se de uma escolha. E, como toda escolha, pressupõe que você abra mão de outras tantas. O que se propõe? A volta da mulher à condição de dona de casa? Também não. O que se propõe é a conscientização da paternidade e maternidade. A infância determina a vida de todos nós. Ela é fundamental para a existência humana. Na esfera psíquica, os primeiros dois anos significam a base da construção de uma personalidade saudável. A violência, a agressividade, a falta de ética, a amoralidade dos tempos modernos não são apenas fruto de dificuldades econômicas e sociais, mas da falta de amor, educação, limites. 

Com a vida moderna, as crianças passaram a ocupar um papel secundário ou terciário na vida familiar. Lembre-se de que o futuro da humanidade vai depender dessas crianças que, provavelmente, chegarão aos 100 anos de idade. Fico triste quando, no consultório, a mãe não pode estar presente, ou o pai. E nem mesmo a avó: apenas a babá. 

Deveríamos fazer uma análise tranquila antes da maternidade ou da paternidade. Queremos mesmo mudar nossa vida? Vamos ter condições de participar intensamente da vida desse novo ser? Se lograrmos essa consciência, tenho certeza de que o mundo irá melhorar. 


José Martins Filho é médico pediatra, autor do livro A Criança Terceirizada, professor e pesquisador do Centro de Investigação em Pediatria