quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Cuidando de sua criança interior - Margareth Alves

As crianças têm um potencial inato para serem espontâneas, esperançosas, otimistas. Encantam-se com facilidade, experimentam e criam. São naturalmente orientadas para o prazer e para a vida. Porém, quando feridas em seus afetos e não atendidas nas suas necessidades básicas de amor, atenção, segurança e limites, embutem estes potenciais e crescem contaminadas pelo medo de repetir dores e carências, influenciando na manifestação de suas emoções e no rumo de suas vidas.
Se as emoções forem bloqueadas, por experiências difíceis na infância irão influir negativamente na capacidade e desempenho da inteligência, memória, atenção, na liberdade de sentir naturalmente a vida, na capacidade de amar e de ser mais feliz.

Sendo feridas, as crianças vão desenvolvendo mecanismos de defesa para atenuar a dor e para se adaptarem ao meio em que vivem e crescem, porém, geralmente defendidas. Podem crescer repletas de "vícios", negando a realidade de sofrimento, esquecendo-se da infância, minimizando sentimentos, racionalizando a história. Os vícios tornam-se formas alternativas de sentir-se vivo. Vícios de drogas, de trabalho, de comer muito, de sexo, de ter coisas, de pensar muito, de não dizer não. Vícios de doenças, somatizações, pânicos. Outras formas são transferir o sentir para o outro: é viver através do outro. E finalmente podem se sentir contaminados por uma sensação de vazio, de falta de sentido. Assim se distraem da dor original.

Experiências difíceis, dolorosas de grande duração criam crenças e condicionam reflexos inconscientes a cada ameaça de se repetirem. Assim os adultos, ao interagirem com novas pessoas e novos afetos além dos familiares de origem, podem trazer de volta sensações mal identificadas de sua história e projetá-las em seus relacionamentos atuais. Assim se criarão cenas com máscaras e personagens diferentes da infância porém tendendo a repetí-las quanto ao tema dos dramas pessoais já vividos.
A natureza nos mostra que ao lavarmos uma ferida, brota "sangue novo" que traz fatores adequados para cicatrização. Por isso, primeiramente é preciso "tocar", entrar em contato com a própria história e reconhecer seus sentimentos, ressentimentos e necessidades.

Todos nós fomos crianças, e esta criança não se apagou no esquecimento, a ponto de nunca mais termos notícias dela. A criança continua a viver dentro de nós, afetando positivamente ou não tudo o que fazemos e sentimos.

Cada um de nós carrega em seu íntimo uma eterna criança, uma série de sentimentos e atitudes trazidos da infância que permanecem vivos, não importa o quanto o tempo já tenha passado. Nossa criança interior nos leva a encarar a vida de um modo de certa forma distorcido. Nossa mente racional de adultos dá-nos uma avaliação inteligente da situação, ao passo que a criança interior enxerga as mesmas circunstâncias através do contexto emocional de experiências passadas. A nossa cultura, de forma geral, acredita que deixamos de ser criança e passamos a ser adultos para sempre. Essa ilusão torna difícil para muitas pessoas lidarem com a sua vida emocional. A exigência de nos comportarmos como adultos implica que teríamos que descartar qualquer coisa construída em termos de comportamento infantil.

Para falarmos da criança interior é necessário que partamos do adulto atuante e de todos os seus relacionamentos, dentro do emaranhado de emoções a que nos ligamos no dia-a-dia. Quantas barreiras de intimidade, quantos mecanismos de defesa acionados para podermos viver e tentar nos relacionar? Quantos não são os momentos ou situações em que nos deparamos com atitudes estereotipadas ou exageradas? Que tipo de carências ou situações mal-resolvidas nos impelem a relacionamentos com pessoas erradas? Por que sentimos tanto medo, raiva, culpa, esta confusão de emoções? Em que momento de nossa vida ficou marcada essa fragilidade, esse sentimento de desvalia e rejeição? Em que ruas de nossa vida ficou a criança alegre e destemida que não encontramos mais? Quantas lágrimas estes olhos choraram e quantas represaram que acabaram por envelhecer?

Tantas foram as carências que fizeram com que nos viciássemos em comida, bebida, drogas e em quantos braços não tão propícios fomos aquecer nossa criança ferida. Quantos não foram os momentos em que, apesar das boas aparências, não houve solidão ou depressão? Quantas crianças carentes e desencontradas existem dentro de nós? Em quantos momentos de nossa vida a energia não foi bloqueada? Vários são os momentos de questionamento, ao qual damos o nome de crise existencial. Momentos em que alguma coisa muito importante falta dentro de nós, quando sentimos saudade de algo que parece que conhecemos, mas de que não nos lembramos mais.

Ficamos como que imersos dentro de nós mesmos, buscando achar respostas e soluções através dos outros, vinculamos nossa felicidade e a colocamos em mãos alheias. Por comodidade ou covardia transferimos a responsabilidade da nossa vida para a responsabilidade do outro. E em nome do "amor" e acreditando estar "amando" projetamos todas as nossas carências e necessidades no outro, "vivendo" em função daquilo que possa vir de fora.

Esquecendo que desta forma jamais estaremos resolvidos, pois por mais que o outro nos ame parece não bastar tudo o que ele possa nos ofertar, a necessidade da nossa carência é sempre maior, nossa ânsia de atenção e disponibilidade é inesgotável. Nós, e somente nós mesmos, podemos resgatar nossas emoções mal-resolvidas. Os outros são nossos companheiros de viagem, que podem apontar e partilhar caminho, porém a escolha é sempre nossa. Existem vários companheiros nessa viagem. Essas oportunidades nos aparecem para que possamos reavaliar nossa vida, para que aprendamos novas lições e ampliemos nosso horizonte.

Perceber nossos limites é um caminho importante na busca do auto-conhecimento. Quando de forma questionadora e corajosa tentamos nos redescobrir, percebemos que a maior das nossas respostas se encontram na infância, na forma como fomos recepcionados pelas pessoas. Para que possamos ser adultos mais equilibrados é indispensável conhecermos e reavaliarmos nossa estrutura, percebemos o porquê de nossas reações, de que forma nossos conceitos e preconceitos foram estabelecidos, a fim de atualizarmos nossos valores, sermos capazes de mudar, encher com coisas novas nossa mente e coração, trazendo para nossa mente novos amores, sentimentos e emoções.
Quando nos propomos a nos conhecer e a nos aceitar, quando somos capazes de amar de forma mais plena e profunda, sem posse, sem cobranças, sem nos sentirmos vítimas quando estamos inteiros, corpo, mente e alma, conseguimos respeitar o outro na sua totalidade e particularidade. Somos capazes de perceber em nossos relacionamentos a graça e a espontaneidade da troca, a ternura e a sensualidade do toque, o gostoso de partilhar sem ansiedade e expectativa.
Portanto, ao reescrever nossa história, somos diretores e atores ao mesmo tempo, criadores e responsáveis pelo nosso presente e idealizadores de nosso futuro, podendo buscar tudo isso de forma mais efetiva, acolhendo nossa criança interior.

Para que essa criança maravilhosa, radiante e cheia de amor possa emergir, brincar e se mostrar, é necessário que seja encontrada, amada, valorizada, festejada e protegida. Então, vamos ouvi-la, conhecê-la, e através de nossa vontade desvendar seus medos, ancorar seus traumas, desmistificar seus velhos paradigmas, reaver sua espontaneidade e alegria perdidas, enfim, reescrever sua história original acolhendo neste caminho sua ternura, ingenuidade e sorriso puro. Espelhar novamente o brilho nos olhos, a crença no futuro. Quebrar as correntes que nos amarram ao passado que controlam e que nos tornam controladores.

Devemos ser capazes de mergulhar dentro de nós mesmos procurando atender aos anseios do nosso coração, ser capazes de nos perdoar e de perdoar nossos pais, parentes e amigos, livrando-nos do peso morto de um passado já vivido e do fundo de nós mesmos tomarmos impulso e ressurgir mais sábios de nossos limites, mais tolerantes com nossas carências, mais suaves em nossas crises e críticas. Motivados e motivadores para vivermos o presente de forma plena. Menos intimidados e mais íntimos com nossos verdadeiros sentimentos, aptos a conviver de forma plena e equilibrada com nossa criança interior.

Como anda sua Criança Interior?
Todos nós temos um aspecto criança que é o grande responsável pelo encantamento que sentimos pela vida. Pena que a gente nem sempre dê chance para a nossa criança aparecer. E, às vezes, só enxergamos o seu lado negativo. Marque um encontro com sua criança e descubra como a vida é extraordinária. Criança é sinônimo de espontaneidade e da alegria descuidada que nasce de quem vê a vida com olhos novinhos em folha. Todos nós já fomos crianças, mas talvez poucos se lembrem desta emoção de “descobrir” o mundo extraordinário em que vivemos. Crianças são curiosas, sempre aprendendo e, ao contrário dos adultos, elas imaginam e dizem qualquer coisa – incluindo aquelas reflexões reveladoras que subitamente emprestam um brilho novo à nossa rotina de adultos.

A nossa criança ainda vive em nós, em algum lugar da nossa mente. E é capaz de reencantar nossa vida. No entanto, muitas e muitas vezes, nós nem nos damos conta destas características da criança. Seja porque mantemos uma relação cheia de conflitos, distante ou, até, ressentida, com a criança que nós fomos, seja porque somos tão treinados para ser sempre racionais e sérios, o fato é que largamos nosso lado infantil pelo caminho e esquecemos que a vida também é brincadeira, coisa de criança. Mas em vez de mergulhar na nostalgia ou de querer fazer o tempo parar, que tal fazer um mergulho interior e ver como anda sua Criança Interior?

COMO É SUA CRIANÇA INTERIOR?
O primeiro passo é entrar em contato com essa identidade do seu mundo interior, esse aspecto interno importante para o seu desenvolvimento humano. Se você não se lembra muito bem de como era quando criança, olhe fotografias de quando você tinha ao redor de cinco anos e pergunte-se:

Como você se sentia?
Como você imagina que sentia o seu corpo? Como se sentia quando ficava triste? E alegre?
Quais eram seus amigos?
Como se sentia em sua casa?
Como a vida parecia naquela época?”

O segundo passo é integrar este aspecto seu, tornando-o harmonioso com a pessoa que você é hoje. Uma das formas de promover este “encontro” é fazer uma visualização, um dos recursos mais utilizados em diversos tipos de terapia para facilitar mudanças nos nossos padrões de comportamento e que você pode fazer, mesmo sozinho.

Como a gente reconhece em nós as manifestações da Criança Interior?
Na verdade, a nossa Criança Interior manifesta-se em nosso comportamento através de qualidades infantis, como por exemplo a curiosidade. As crianças são naturalmente curiosas. Começamos a envelhecer quando deixamos de ter curiosidade pela vida. Já vimos tudo, já sabemos tudo, já aprendemos tudo. A espontaneidade é outra forma de checar se nossa criança interior está saudável. Outra, ainda, é a alegria que nos mantém saudavelmente infantis.

Por que é importante cuidar deste aspecto da nossa personalidade?
Cuidar da nossa Criança Interior é uma forma de celebrar a vida dentro de nós. Desde que o mundo não maltrate demais a criança, ela é um exemplo de energia e de movimento, sinônimos de vida.

O que acontece com gente que negligencia este "aspecto" de si próprio?
A gente adoece, se torna amarga, envelhecida antes do tempo. É assim que se pode reconhecer alguém que não cuidou da sua Criança Interior. Da mesma forma, pessoas que se sentem bem na vida e com os outros, que conseguem encontrar alegria no seu cotidiano, que acolhem o mundo com entusiasmo e sem rabugice, estas estão em paz com sua Criança Interior.

Como é possível honrar esta Criança em nós?
O grego Heráclito, considerado o pai da filosofia ocidental, dizia que ninguém pode se banhar duas vezes nas águas de um mesmo rio. Com isso, ele enfatizava que a vida, no seu movimento constante, obriga a gente – assim com o rio – à eterna renovação. Mas não podemos esquecer que o rio num determinado momento é também a soma de tudo ele vem trazendo desde o seu nascimento, lá no topo de alguma montanha. Nós também só podemos nos considerar inteiros se consideramos tudo o que já fomos, tudo o que já vivemos. Respeitar o nosso lado infantil é uma homenagem que devemos fazer a nós mesmos todos os dias.

O problema é que a criança também adoece nas lidas da vida. Cabe a nós cuidarmos para que ela se livre das tristezas e do sofrimento. Por isso é bom visualizarmos a nós mesmo crianças naqueles momentos difíceis da infância. Nessas imagens devemos nos “ver” enxugando nossas lágrimas, nos acariciando e nos dando colo. A gente (já grande) curando a criança triste de um determinado momento. Estas visualizações fazem um grande bem.

Como a gente pode ajudar os filhos a aprenderem a cuidar da sua Criança?
Mostrando que cumprir os deveres e fazer a coisa certa não deve impedi-los de rir sem motivo, pular quando estão alegres, dançar quando tiverem vontade. Enfim, quando ensinamos nossos filhos a cultivar a própria liberdade estamos ajudando-os a cultivar a criança feliz, que é livre espontânea e alegre.
Temos que mostrar para os filhos o nosso lado infantil. Deixar que eles nos chamem de bobos e curtir as nossas próprias bobagens diante deles. Cantar, brincar e dançar junto, como eles fazem com os amigos deles, é uma boa maneira de mostrar o nosso lado infantil. Desde que esses momentos sejam vividos com espontaneidade e verdade só servem para nos aproximar filhos e pais.

E como podemos atrapalhar este processo?
Quando confundimos responsabilidade com cara feia e ensinamos às crianças, por exemplo, a ver o trabalho como um peso e cumprimento do dever como uma coisa chata.

Quais são os aspectos sombrios da Criança Interior?
A falta de afeto, a ausência de limites, a tristeza, o medo, o cerceamento da liberdade e da expressão. Esses são lados sombrios que tornam a criança doente e podem nos atrapalhar na vida adulta. Por isso, precisamos descobri-los para encontrar as formas adequadas de afastá-los de nossas vidas.

Como vai seu lado Criança?
Podemos começar cedo a brigar pela nossa individualidade, como podemos também nos encolher e aceitar sem contestações tudo que é dito pela mãe, pelo pai, pelos adultos que sabem das coisas. Se, em crianças fomos vítimas de repressões excessivas, passamos o resto da vida achando que “nunca fazemos nada direito mesmo”.

Por outro lado, as crianças vítimas da falta de limites, crescem acreditando que tudo é permitido, são inseguras e eternamente insatisfeitas. Mas antes que jogar a culpa de todos os nossos sucessos ou de nossos fracassos nos nossos pais, é sempre bom lembrar que pais inadequados nem sempre conseguem impedir seus filhos de trilharem o caminho da felicidade. Do mesmo modo, pais competentes também não conseguem garantir que seus filhos se tornem adultos bem-sucedidos emocionalmente.

O que garante a aquisição desse status é a nossa capacidade de lidar com aquela criança que, forjada lá pelos três, quatro ou cinco anos de idade, continua, hoje, dentro de nós influenciando e mesmo determinando nossos pensamentos, crenças e ações. Saber o que ela sofre, o que deseja, o que sente é nossa obrigação de adultos interessados no próprio crescimento.

EXERCÍCIO DE VISUALIZAÇÃO:
ACOLHENDO A CRIANÇA QUE VOCÊ FOI
O objetivo desta visualização é tornar mais real essa parte resgatada da sua personalidade. Praticar a visualização pode beneficiar e muito sua autoconfiança, seu auto-respeito, além de aumentar seu senso de totalidade. Em cada adulto mora uma criança, aquela parte da personalidade humana que deseja se desenvolver e tornar-se inteira”.
Coloque-se numa posição bem cômoda e relaxe totalmente. Feche os olhos. Se sentir que há algum medo, distração ou entrave emocional incomodando-o, trate de tirá-los do caminho: visualize uma caixa e deposite todos eles dentro da caixa. Depois, com serenidade, deixe-os irem embora.
Se perceber algum incômodo físico, solte-se para não se distrair. Vá tomando consciência das batidas de seu coração, de sua respiração. A cada batida, a cada respiração, sinta-se mais próximo de você mesmo.
Pergunte a criança: “Do que é que eu mais necessito neste momento”. Ouça com atenção o que ela diz! Veja a sua criança. A criança é claramente você, mais ou menos aos cinco anos de idade. Olhe para ela e reconheça-se nela quando tinha aquela idade.

Estenda a mão para essa criança. Dê-lhe as boas-vindas. Fale com ela. Pergunte como vai e conte a ela como você vai. Enquanto conversam, a criança aconchega-se no seu colo. Agora, diga a esse menino (ou a essa menina) como vai fazer para assegurar-lhe que a partir de agora ele seja escutado e valorizado. Tenha uma conversa com essa criança. Ela está agora sentada em seu colo. Abrace-a, tranqüilize-a. Dê-lhe amor. Fale com ela com carinho.

Logo que visualizar isto, vá se preparando para "acordar" e volte. Abra os olhos lentamente. Bem devagar, vá tomando consciência de onde você está. Sem pressa, sinta seu corpo, mexa-se. Agradeça por este encontro.