quinta-feira, 17 de julho de 2014

Abrace o bebê chorão

Abrace o bebe chorão
 Café mãe
Maria Clara está com nove meses. Agora ela esteve aqui fora quase o mesmo tempo que ficou na minha barriga, quando nasceu às 41 semanas de gestação. E, apesar de ter ouvido que só haveria mais desafios à medida que ela crescesse, para mim ficou mais fácil.

Houve muitas coisas para as quais me alertaram antes de ela nascer, muitos palpites não solicitados que recebi a respeito de amamentação, sono, rotina, cuidados, entre outros, mas ninguém – nem mesmo minha mãe, que tem sido meu exemplo e minha fonte de informações – ninguém me avisou sobre como os primeiros meses são difíceis.

Aparentemente, é um pacto entre as mães: não se comenta muito sobre o choro, sobre as chamadas cólicas (que na maioria das vezes pouco têm a ver com cólicas propriamente ditas), sobre os momentos de olhar para o bebê e entrar numa espiral de pânico e desespero a respeito do que fazer. Talvez para não assustar as novas mães. Talvez porque, sabiamente, o mesmo mecanismo de amnésia infantil opere sobre os novos pais e mães: ninguém se lembra muito bem. As dificuldades são rapidamente recompensadas, cada momento de tensão logo desaparece para dar lugar ao infinito e repetido assombro de se ter gerado, gestado e dado à luz a uma nova pessoa, completa, inteira, tão separada e diferente de mim, tão dependente e idêntica ao mesmo tempo.

Mas ainda lembro. Ainda me lembro do quanto me senti confusa, do quanto o puerpério foi difícil, delicado, do quanto eu questionei estar à altura do desafio de cuidar de minha filha. De como o choro inconsolável me assustava, me paralisava, me fazia buscar soluções.

É que eu achava que o choro era ruim. Eu achava que o choro tinha que parar. E acho que é isso que aprendi: não precisa. Existem, sim, motivos para o choro: desconforto de temperatura, fome, fralda, refluxo, doença, sono. Mas existe o choro que não cessa após checar tudo o que pode estar errado. E esse choro, que pode durar horas até, esse choro não é errado. E se hoje eu pudesse rever esses dias de maternagem, talvez me preocupasse menor em silenciar o choro de minha filha e mais em acolher suas lágrimas. Talvez eu me focasse menos em ficar dizendo shhhh, balançando Clarinha de um lado pro outro do quarto, tentando todas as táticas de O bebê mais feliz do pedaço, de Harvey Karp, me sentindo incapaz de consolá-la, e decidisse aceitar o seu choro, sua voz, como eu procuro aceitar a de qualquer amigo que me procura em prantos. Entender que não se pode resolver a dor do outro, mas sempre se pode acolhê-la. E entender também que o choro às vezes não é dor, mas adaptação a esse mundo de sons, cheiros, luzes e pessoas, a que o bebê não está acostumado. Entender que, quando não se fala, não se balbucia e não se gesticula, só existe o choro como comunicação.

E quantas vezes as minhas tentativas de cessar o choro me impediram a verdadeira conexão com a minha filha? O quanto o simples ato de abraçá-la e permitir que ela chorasse o que precisava, sabendo que eu estava ali com ela, presente, integralmente presente, sem procurar distraí-la, teria sido tão ou mais eficiente do que tentar táticas, truques e feitiços para ela parar de chorar?

O quanto aquele choro não era um pedido por mais presença com intenção e coração, uma necessidade de dar um basta nas incômodas visitas pós-parto, um desejo de proximidade e o luto pela separação de não estar mais dentro de mim, segura e protegida? E o quanto aquele choro não era o meu próprio choro, o meu próprio luto, por ter de deixar para trás a pessoa que eu fora – pois a “antiga vida” não está esperando na esquina, pronta para ser retomada – para me metamorfosear na mãe de Maria Clara, muito mais que um papel, muito mais que uma função, mas uma nova forma de estar e ser no mundo. Com ela. Sempre.

Choro é emoção. Não quero ensinar a ela que o choro é errado. Que as emoções são erradas, que sentir é inadequado. O choro é normal. Eu sei disso, pois sou chorona. E sei o quanto é ruim ter meu choro invalidado, e sei o quanto é precioso ter por perto alguém que esteja calmo, presente e disponível para me ouvir. Nesses primeiros três, quatro meses de vida do bebê, se eu pudesse mudar alguma coisa, seria minha postura frente ao choro: depois de verificar possíveis desconfortos e dores, depois de excluir qualquer motivo que de fato pudesse ser solucionado, eu procuraria aceitar as lágrimas e abraçá-la. Confiando que, se houvesse algo de sério e realmente errado, eu saberia. E então simplesmente abraçar o bebê chorão. Permitir esse desabafo, esse extravasamento. Sem achar que eu estava fazendo algo de errado. Sem procurar culpados. Apenas abraçá-la. Estar inteira para ela, com ela.
Fonte: site Café Mãe

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